Retrospectiva (2010)

“Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.” Clarice Lispector

E nessa madrugada de domingo, sinto-me esplendorosamente obrigada a escrever algo que seja inspirado nas palavras da, na minha humilde opinião de aspirante a escritora, melhor e mais profunda escritora de todos os tempos.
Apesar de todo o peso e pesares de minha alma, posso afirmar que estou me sentindo repleta de um ‘eu’ que, até então, achei que havia perdido. Ah, esse ‘achismo’, o abismo d’alma, da existência, lhes digo. Achava que sábados à noite eram feitos para ver a rua, ver pessoas, mas neste, que fora mofado e molhado pelo tempo chuvoso, vi e fiz florescer muito mais dentro de mim do que poderia nas avessas esquinas mundanas. E agora tenho também o peso confortável de mim e de Clarice. Das duas Clarice’s: a que criei e a que li.

Doce sabor o das palavras,
Doce saber o de viver,
Doce madrugada repleta de ‘eu’
Doce plenitude que jamais sentira, nem quando estive demasiadamente repleta e, hoje finalmente, pude viver e presenciar!
_____

“Eu me pergunto, se todos nós sabemos a que lugar pertencemos, e se sabemos dos nossos corações, por que quase nunca fazemos alguma coisa a respeito!? A vida deve ser mais que isso, deve haver um propósito para cada um de nós no lugar ao qual pertencemos...” Filme: Amor sem fronteiras

Acabei assistindo esse filme por um acaso e, que sorte a minha. Um dos filmes mais tocantes que já assisti até hoje, ele retrata as várias formas de amor. O amor pelo próximo, o amor por “convivência”, o amor maternal, e o amor por alguém que simplesmente aparece e pronto! E não é mais um daqueles filmes piegas que estamos acostumados a ver, ele além de tudo, demonstra tristes realidades como fome, crueldade e guerra. As várias faces do homem: o que ama, o que protege e o que mata. Mas, como diz a minha mãe “ninguém é de todo mal ou de todo bem”. As pessoas se apresentam a nós da maneira que o mundo as fez ser, e não por sua essência, por sua verdade.
O jeito como descrevemos ou esperamos certas atitudes de certas pessoas, às vezes nos cega. Um soldado não é apenas um soldado, sua vida não é apenas dar a vida por sua causa, ou pela causa que lhe foi imposta. E é assim com todo mundo. Todos nós temos sentimentos, é, eu disse todos; mesmo que esses sentimentos estejam escondidos a léguas de profundidade. A maneira que selecionamos a quantidade de sentimento a ser demonstrado depende do que está a nossa volta, do que passamos, presenciamos e precisamos.
Nada mais a declarar. Assistam!
___

Quanto a você

Das peças que a vida prega
Das vidas as quais me apego
Dos medos que me escondo
Dos ao que me exponho

Das músicas que me fizeram parte
Da vontade de fazer arte
Dos momentos que ninguém conhece
Da minha própria prece

Do imaginário
Do que fica no armário
Dos conflitos internos
Da carência do inverno
De tudo que se refere a teu semblante e interno

Só eu sei.
___

Preguiça: Ato de ter o que fazer e não se permitir

Esse maldito pecado
Três livros na estante, todos empoeirados
Mil idéias em mente, e o sono bate de repente
Lugares inteiros a explorar
Músicas sem apreciar
Provas sem estudar
Exercícios físicos... Melhor nem falar!
A organização deixando a desejar
O texto inacabado
O tédio consumado
O carro encardido
O coração a perigo
A falta de dialogo, de abrigo
As cordas do violão enferrujadas
A bola murcha sem estar furada
A rede dependurada
O problema não resolvido
A visita nunca feita ao amigo
Tantas coisas! Todas deixadas de lado
Todas perdidas
Todas que não vivenciamos
Todas que ignoramos
E tudo se desfaz no ar...
Esse é o ato de espreguiçar!

___

Alegria com data marcada

Minha vida inventa festa. Pra cada mês de tédio, sempre surge um remédio! Aqueles de nome estranho, que a gente nem imagina, mas que de repente cura-nos da dor da rotina.
Mais um dia pra ser lembrado, um chão de areia e felicidade ao lado; uma estrada, um destino, a linha de chegada e de partida, fábulas da vida. Inevitável reinventar, sorrir, festejar. Vamos aproveitar, a hora é essa, não é sempre que a vida faz festa. Vamos sorrir, cantar e pular. Mais um show vai começar.
A música arrepia, faz viajar, me leva perto do que perdi, escreve minha vida por outras mãos, aumenta as batidas e o tamanho do meu coração.
A companhia é boa, nunca nos juntamos à toa, e até quando é acaba não sendo. Gostoso é apreciar, ter os cabelos contra o vento, se esgotar de ser feliz, pois de tristeza, eu vos digo, já quase sempre vivo.
___

Serafina Sonhadora

Era hora de dormir, e a menina cansada mergulhou nos lençóis e afundou sua cabeça no travesseiro macio, com fronha de borboletas. Gosta de dormir por que isso a faz sonhar. É no escuro do céu e no brilho das estrelas onde vive o que o dia esqueceu de acontecer. O beijo que não foi permitido, o amor que vive escondido, as asas que a vida lhe tirou. Ah! O amor, esse covarde que só lhe engana, lhe diz coisas belas só pra poder dormir em sua cama. E dorme, como dorme! Aparece com a Lua e vai embora com o Sol. Fazendo-a continuar só, só amando. Só perdendo. Só chorando. Enquanto ela sonha, ele pestaneja artifícios, faz de omitir o seu principal ofício. Mas se quer saber, a menina não liga. Se da bem com sentimento, seja ele qual for e, o seu lema nesse imenso dilema é ser feliz e ficar atento, pois o importante da vida a garota descobriu que vem de dentro; o que não se esvai com o vento como as coisas externas, que quando tudo fica escuro é o que lhe serve de lanterna. Seus vaga-lumes machucados, fadados ao sofrer, fardados de destino; calejados de procurar ao escuro acordar, o tal daquele menino amor, que sempre aparece trazendo marmita, no cardápio: dor e farinha de trigo, que é para deixá-la forte, não que se importe... Mas forte ela não desiste, espera outra noite pra ser triste (...)

___

TicTacTicTac...

De repente as coisas passaram rápido demais diante de mim, parada e pasma observei. Pessoas viraram vultos, lugares nostalgia. E aqueles momentos dos quais costumo me lembrar? Não podem evaporar! as pessoas que conheci? Pra onde o tempo as levou?
Calma seu moço, não ande tão depressa! A vida me espera, preciso acompanhá-la. Prometi que faria dela mais feliz. Não vá tão rápido assim, sei que tudo acaba no fim, mas quero me despedir!!! Não sei se o senhor sabe, mas não é só a morte que nos mata. O tempo afasta-nos cada dia mais da vida que levamos, daí levamos outra, e outra. Mas não gosto da velocidade, quero mais tempo pra conhecer a tal da dona Felicidade. Não tire esse momento de mim! Não leve essa pessoa pra longe... Consigo adicionar sem nunca perder, dê-me uma chance! (...)
Por mais que suplicasse o relógio não parou, sequer andou mais devagar. O café esfria em cima da mesa, o asfalto é corroído, o passado esquecido, os amores e amigos perdidos. Mas que coisa essa vida! Trouxe-me ao mundo e não me permite apreciá-lo. Quero mais um beijo, outro abraço apertado, uma conversa amiga, uma piada divertida. Quero viver sem ter que pensar que mais dia, menos dia, tudo irei perder. Vida ingrata me trata como barata! Pisa-me e me esquece, me faz amá-la e por fim me adorm...

___

Suas mãos estavam geladas, tremia por conta do frio e de tanto café. Seu coração acelerara tanto que imaginou-se caindo duro no chão, tendo um ‘piripaque’. Em sua volta uma quantidade imensurável de bitucas de cigarro; passara dois dias desde que ela o deixara. Se pregasse os olhos por 1 segundo sequer a veria entrando pela porta, com seu meio sorriso dizendo que o amava. Triste ilusão, não poderia dormir nunca mais e, se fosse, que fosse para sempre. Preferia não viver ao viver sem ela.
Sentiu-se um hipócrita ao se perguntar o que fizera de errado, por que a deixara partir?! O tipo de pergunta clichê feita por quem leva um pé no traseiro. Revendo algumas fotos notou o quanto nunca esteve devidamente presente; seu corpo e mente estavam com ela, porém, seu coração não quisera se doar. De tanto amar acabou sem amor para dar, com um imenso medo de sofrer.
Ouviu um barulho, algo caíra no chão. Era o coração dela, deixara-o ali quando partiu e, agora, sem um corpo e um amor, batia muito fraco.
Lágrimas escorriam pela face do homem abandonado. Sabia que antes dela, ele próprio se abandonara. Imaginou seu coração partindo ao meio, no escuro do quarto mais escondido de seu interior. Odiava que fosse assim e, o que mais lhe doía: Transformara-a em alguém tão vazio e hipócrita quanto ele (...)

___

Cansaço, Ecologia e as Estrelas

De um lado seus óculos intactos sobre um livro fechado, do outro uma xícara de café e um cinzeiro. Na ponta dos dedos o cigarro aceso, de um lado brasa, do outro a marca vermelha de batom. A fumaça entrava e saia quase que naturalmente, intimamente. Os pés apoiados na mureta da varanda de seu apartamento. Era como se pudesse ver o mundo dali. Todas aquelas pessoas, pensamentos e preocupações a cansavam. Queria poder simplificar, acordar às 11 da manhã e ir trabalhar de pantufas; nunca entendera isso de que quanto mais sacrifício você fizer para andar de salto ou ficar de terno a gravata num dia de sol, mais credibilidade você passará. Tantas pessoas vivem e sofrem muito mais que isso e sequer são notadas. E todo aquele papo ecológico na propaganda da TV que ainda ecoava em sua mente, empresas que se aproveitam dos sentimentos e medo das pessoas para lucrar.
O mundo pesava-lhe demais, era muito grande, muito cheio de gente que provocara dor e não fazia nada para mudar. Tanta guerra, fome, individualidade. Tudo isso soava-lhe demasiadamente sem graça. A vida que um dia almejou era mais pura e harmoniosa.
Já pensara demais. Deu o ultimo gole no café, a ultima tragada no cigarro e partiu. Lançou-se do parapeito. Treze andares para a liberdade. Um último pensamento: aquele café, aquele cigarro, aquelas estrelas que a espiavam caindo, eram a parte mais verdadeira de sua vida inteira. Sorriu para a Lua (...)

___


Há verdades sobre a vida que ninguém gosta de ver,
O que não entendemos não nos agrada saber...
Uma delas, com convicção eu vos digo:
Estamos morrendo desde que passamos de feto para fato consumado, consumido
E a Maria fumaça da vida passa lenta, poluindo
O povo olhando da janela, bebendo drinks, sorrindo
Alguns trabalhando no maquinário, suando, partindo.

O trilho mascara o tédio,
O ócio disfarça o ódio,
O amor é obrigação,
Viver? apenas por precaução.

Comentários

Postagens mais visitadas